Hoje eu li o um poema do João Cabral de Melo Neto, chamado de
"O cão sem plumas",
Mas que diabos é um cão sem plumas?
Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).
Foi um poema bonito e estranho,
que apareceu sem que eu o chamasse,
ele falava de um rio, o rio que era como um cão sem plumas, e esse rio...
.
Ele tinha algo, então, da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.
E eu queria colocar uns pedaços desse poema aqui,
pra registrar, porque a vida anda espessa como aquele rio,
que parecia um cachorro,
que não parecia com os rios que estão nos mapas,
como a vida não parece com aquilo que se fala dela.
Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
Em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?
E anteontem antes de dormir eu comecei a desenhar muitos corações num papel,
porque são muitos afetos que estão sendo,
e nem todos podem ganhar a expressão.
Muitas cor-ações que só podem ser ações no papel.
Os afetos estão espessos.
Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.
Onde começa o homem/naquele homem?
(Difícil é saber se aquele homem já não está mais aquém do homem; mais aquém do homem...)
Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.
Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida
Aí hoje eu descobri como usar a ferramenta de vetorização automática do Illustrator,
e queria testar, testei nos corações, vetorizei todos.
Eles viraram todos órgãos e sentimentos que podem crescer e diminuir,
sem alterar suas propriedas,
sem ficarem estourados,
afetos vetorizados,
(talvez para ficar mais fácil de saber:
Onde o coração,
onde a cor..
onde a ...ação
Se o que eu digo aqui já não faz mas sentido, você me desculpe,
é que hoje eu recebi a visita de um certo Senhor João,
SR. JCMN,
e também fui visitar um certa senhora,
que não anda passando muito bem,
está com o o peso do espessamento da vida,
chegando ao limite.
Cor-Ação fora de ritmo.
(E para ela e para nós, fica difícil também saber:
Onde o corpo
onde o pensamento,
onde a doença,
onde a vida,
onde o ser...
E gosto muito dessa senhora de que falei,
por isso ando aqui,
como você bem vê,
um tanto confuso,
Entre tantos corações espessados,
entre as artérias e veias de afeto,
que fluem com rapidez e vagareza,
sempre mais devagar ou mais rápido,
arritimados.
E eu gostaria de ajudar,
Arteriar,
remover as veias de angustia
enchertar artérias de carinho
espessar o leito do rio,
para torná-lo menos frágil,
para que o encontro com o mar não seja tão dolorido.
E se você reparar vai ver que os olhos dela são da cor que o rio tem no mapa,
aquele azul que o João disse não ser dos olhos do rio,
é dos olhos dela,
e mesmo que longe,
(olhando algo que eu não sei o que é)
eles são e vão sempre ser os olhos mais bonitos que eu já vi na minha vida.
Me lembram o mar que eu amo tanto,
e as cartografias que atravessam o viver.
A Saudade é Salgada.
A gente bebe, mas não mata sede.
A Saudade é espessa.
Acho que é a coisa mais espessa que existe.
Ela não cabe em palavras, nem no peito, nem no tempo.
(ela não cabe em lugar nenhum)